Alguns atores com quem Mauro Rasi trabalhou deram depoimentos exclusivos para a CAJU sobre como era trabalhar com ele. Falaram também sobre a falta que o autor faz ao teatro brasileiro. Sergio Mamberti revela que já chegou a sonhar com Rasi o cobrando por que suas peças não têm sido montadas. Vera Holtz aposta que o amigo estaria conectado ao WhatsApp e ao Snapchat, “falando com os jovens”, e se entristece com o fato de que “quem tem menos de 20 anos não sabe quem foi Rasi”, já que os espetáculos não têm sido encenados. Emílio de Mello, que foi o alter ego do autor nos palcos, acredita que, se ele ainda estivesse produzindo, o teatro brasileiro estaria diferente, com um equilíbrio maior entre o texto “cabeção” e a comédia rasgada: Aliava emoção, politica, características muito marcantes do povo, da família do interior, a gênese da família brasileira. Quando retratava o universo pequeno de Bauru, o Mauro retratava o universo familiar do Brasil inteiro”.
MARIETA SEVERO, atriz e produtora de A estrela do lar:
O Mauro tem uma obra de teatro pequena, mas muito significativa. É possível reconhecer um texto dele imediatamente, eles tem a marca do Mauro. Com o tempo, as peças dele vão ficar clássicos. Os textos do Mauro tem metalinguagem, misturam fantasia com realidade, são textos que não envelheceram nada. Em 1989, liguei para o Mauro e perguntei se ele tinha algum texto para mim. Ele disse que sim, mas era mentira, não tinha (risos). Depois ele me confessou que tinha apenas ideias, que veio a ser “A estrela do lar”. Acho que tive uma bela intuição! Foi uma peça em que atuei, mas também produzi. Mauro era um diretor muito exigente, sonhava alto. Ele cismou que a montagem tinha que ter projeções em filó. E ele queria o filó que tinha visto numa peça do Gerald Thomas, filó que vinha da Alemanha. (risos) Mauro era de uma sofisticação muito grande, tinha enorme atração pela cultura europeia, era apaixonado por cinema e ópera. Mas essa sofisticação não o afastava do popular, da comunicação com o grande público, ele conseguia fazer essa união com grande qualidade. Era um autor despudorado, sem medo do ridículo. Morreu jovem, deixou de fazer muita coisa, morreu em plena ebulição criativa. Sinto falta do humor, e do sarcasmo dele.”
EMILIO DE MELLO, que atuou como alter ego de Rasi em A estrela do lar, Viagem a Forli e Pérola):
“Acredito que, se o Mauro estivesse vivo, o teatro brasileiro estaria diferente. Ninguém faz um trabalho como ele fez, baseado numa linguagem popular com questões intelectuais, filosóficas, politicas muito pertinentes. Hoje, ou o teatro é cabeção, de conceito, ou popular demais, fácil. O Mauro conseguia aliar as duas coisas, construía coisas profundas atrás dos pequenos dramas populares. Aliava emoção, politica, características muito marcantes do povo, da família do interior, a gênese da família brasileira. Quando retratava o universo pequeno de Bauru, o Mauro retratava o universo familiar do Brasil inteiro. Sou um ator ligado ao entendimento do texto, aprendi dramaturgia com ele. Muito generoso como autor, não se incomodava em alterar uma frase se achasse que aquilo renderia melhor na peça. Se fosse vivo, certamente o Mauro ia escrachar com o momento atual da política, momento aliás que não tem humor nenhum. Ele traria esse humor. Consigo até imaginar uma daquelas tias comentando sobre o Eduardo Cunha (ri), O Mauro era um cara do seu tempo. Acho que, inclusive, a televisão poderia estar usando ele agora, em séries e minisséries.”
Vera Holtz, atriz protagonista de Pérola):
“Volta e meia me pergunto: o que o Maurão estaria fazendo hoje? Acho que o Mauro estaria comentando, com ironia e olhar crítico, os acontecimentos contemporâneos. Ele estaria na internet, no WhattsApp, no Snapchat, estaria totalmente conectado, conversando com os jovens. É assustador pensar que quem tem menos de 20 anos não ouviu falar de Mauro Rasi. A gente sabe que o teatro é efêmero, mas os textos ficam. Peças como Cerimônia do adeus, Viagem a Forli e Pérola mereciam ser remontadas. Pérola ficou cinco anos em cartaz, foi um sucesso popular. O Mauro sempre gostou de estar em cena, comentando a vida. O desaparecimento do Mauro de cena é lamentável tanto para os atores quanto para o público, que deixa de ser cumplice da sua obra.”
Otavio Augusto, ator protagonista de A dama do cerrado:
“O Mauro era uma pessoa muito especial. Ele não era bipolar, era quadripolar (ri). Ele tinha a cabeça a mil, não parava! Era um cara muito exigente, as coisas tinham que ser do jeito que ele queria. Ele tinha uma sensibilidade de captar o popular, da classe mais baixa à aristocracia. E era um ótimo diretor. Era um cara ousado, confesso que levei um certo tempo para me acostumar com o que ele queria em cena. Ele tirava dinheiro do bolso e punha na peça para não perder um efeito que queria em cena. Era uma cabeça brilhante! A dama do cerrado tinha a ver com sociedade e política, assim como essa mulher do Cunha, que estamos vendo agora. A escrita dele antecipou tudo que estamos vendo na política hoje.”
SERGIO MAMBERTI, que atuou em Pérola, O crime do Doutor Alvarenga e Alta sociedade:
“Conheço o Mauro desde que ele tinha uns 14 anos. Ele escreveu uma peça e apresentou num festival de teatro amador em Campinas, em 1963. Abujamra era do júri e me mandou ver, fui com o Jorge Mautner. Desde então, eu e Mauro ficamos próximos. Por anos não pude fazer as peças do Mauro por problemas de agenda. Quando ele me deu o texto de Pérola, fiquei apaixonado. Ficamos cinco anos em cartaz, ganhei todos os prêmios, foi muito especial. Depois repetimos a parceria em O crime do Doutor Alvarenga e substitui o Ítalo Rossi em Alta sociedade. O Mauro pegou o câncer na bexiga, operou, ficou bom, mas não quis fazer a quimioterapia. Um ano depois a doença voltou e não houve jeito. Já cheguei a sonhar que o Mauro me cobrava o fato de as peças dele não estarem sendo montadas. É um absurdo, seria importante as pessoas estarem usufruindo do trabalho dele. Como diretor, o Mauro abria a construção do processo com a colaboração dos atores. Mas ao mesmo tempo, ele tinha uma visão cênica do espetáculo. Ele não era um diretor de ator, mas sabia passar o que ele queria dos personagens. Não era um diretor tradicional, não tinha a disciplina do diretor clássico de teatro. Mas era um homem muito intuitivo. O Mauro era atualizado com linguagens, estaria na internet, conectado, era um homem que não parava de criar. Era muito anárquico, crítico, mas sem posicionamento político definido. Gostaria muito de ver os comentários que ele faria sobre o mundo atual. Em Alta sociedade, falávamos do corrupto que não deu certo. Ele não poupava ninguém. Então tenho impressão que hoje ele faria uma nova crítica ao universo político que estamos vivendo, com aquele humor corrosivo. Mauro era um homem de teatro. Ele vivia e respirava esse universo, sempre com um entusiasmo muito grande, que contaminava as pessoas. Ele foi um dos autores que mais cultivaram o gênero de comédia de costumes brasileira”.
*A imagem destacada no topo deste texto mostra Marieta Severo ladeada por Sergio Mamberti e Andreia Beltrão em Estrela do lar (1989). Foto de Guga Melgar/ Divulgação
Autor
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Jornalista e dramaturgo, autor da peça "A tropa", vencedora da 7a edição do prêmio "Brasil em cena", do Centro Cultural Banco do Brasil.
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Jornalista e dramaturgo, autor da peça "A tropa", vencedora da 7a edição do prêmio "Brasil em cena", do Centro Cultural Banco do Brasil.