O texto a seguir foi publicado pelo artista Vik Muniz nos grupos de discussão que se articulam pela liberdade de expressão e contra a censura de exposições, obras de arte, museus e todas as linguagens artísticas depois do fechamento da exposição Queermuseu, em Porto Alegre, e das manifestações ultraconservadoras contra a performance Bicho, de Wagner Schwarz, na atual edição do Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. A Caju publica o texto de Vik na íntegra, acrescentando a ele uma de suas Fotos de chocolate (no topo da página), que se afina bem com o momento “cortina de fumaça” midiática a que ele se refere no texto, e um vídeo divulgado pelo grupo #342Arte como forma de resistência ao cerceamento da arte (abaixo).
O objetivo da arte, desde a pré-história, sempre foi o de desenvolver ferramentas para que o homem pudesse ver a dimensão do universo que o cerca além do alcance dos seus próprios sentidos. Foi através da arte que desenvolvemos as linguagens necessárias para formular conceitos como história, humanidade e natureza, e também foi e continua sendo com a imaginação que conquistamos através do nosso evolucionário convívio com a arte que formulamos a nossa relação com tudo o que é sagrado, e religioso.
Toda a arte é um questionamento da relação entre o ser e o que o cerca. É um campo vasto de experimentação contínua que requer total liberdade de atuação. Consequentemente, esta experimentação produz trabalhos que não são acessíveis a todos os gostos e muitas vezes impróprios para certas idades.
Como pai, eu não levaria os meus filhos menores para ver uma exposição sobre temas que talvez eles não estejam preparados para entender, muito menos incitaria o seu contato com experimentos artísticos destinado a plateias adultas. Por ter total liberdade de não expor meus filhos a mostras impróprias para a sua idade eu não perco o meu tempo lutando contra coisas que não os afetam.
Fico muito triste com a maneira como a política, já tão denegrida e desabonada de valores morais, decidiu explorar a imagem do artista para distrair a atenção da população de suas práticas corruptas e interesseiras. A atual polêmica em torno da arte é produto de um moralismo estratégico, pernicioso e totalmente vazio de ideologia porque é obvio que:
ARTE NÃO É PEDOFILIA; PEDOFILIA É PEDOFILIA.
ARTE NÃO É PORNOGRAFIA; PORNOGRAFIA É PORNOGRAFIA.
E estes políticos não estão fazendo nada para impedir que crianças tenham contato com materiais impróprios sem ter que ir a um museu ou teatro.
A pornografia, a pedofilia, a zoofilia que tanto preocupam estes oportunistas pode ser acessada por quase cem por cento da população, incluindo todas as crianças, através do celular e do computador. A indignação das pessoas não tem sido com a mostra que elas não visitaram, nem com a performance que elas não viram; as pessoas estão enfurecidas com material acessado pelo celular ou o computador, distribuído, não por instituições culturais e sim por grupos de interesse político. A pedofilia e a pornografia não depende de museus para existir, ela esta ao alcance de seus filhos na sua casa, na escola, na sua bolsa, e inclusive até na câmara dos deputados, no celular do defensor da família, o deputado João Rodrigues, que foi flagrado assistindo pornografia durante uma sessão do plenário. O que é que estes bandidos estão fazendo contra este tipo de pornografia e pedofilia que chega a você sem que você tenha que ir a um museu? Nada! Porque é muito mais fácil atacar a cultura para ganhos políticos.
Como artista, eu sempre procurei exercer o meu trabalho procurando inclusão, compreensão acessibilidade e empatia, respeitando as sensibilidades do público, cativando-o para uma participação mais ativa no universo da cultura contemporânea.
Foi através da arte que eu descobri que não estou sozinho, que existem outras pessoas, algumas delas incríveis. Foi através da arte que eu descobri outras culturas, outras crenças, outros hábitos, foi através da arte que eu descobri coisas que estavam além do meu tempo, além do meu corpo e além do meu conhecimento.
Foi através da arte que eu estive mais próximo de Deus.
Fico enojado com o fato de gente tão corrupta e interesseira estar se aproveitando da minha paixão como ferramenta de divisão e discórdia. Estão erigindo, com um cimento moral que não possuem, sonegado de gente honrada e ética, um infame muro para se protegerem do destino e da história que eles mesmos criaram.
A política brasileira está imunda e quer utilizar a cultura para distrair a sua atenção.
Não caia nessa: investigue, discuta, comente e compartilhe!
Um país sem arte é um país sem voz.
O sonho de todo autoritário é presidir uma nação de mudos.
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Artista plástico.
A arte fez parte da minha formação e faz parte da minha vida. Estava me sentindo muito desconfortável com as recentes polêmicas sobre as exposições e mais ainda com a censura como solução. Proibir é mais fácil do que educar e conscientizar. Confesso que o texto do Vik Muniz foi a opinião mais próxima do que penso a respeito.