Escrever é organizar uma relação
Marcelo Broodthares
A relação que proponho aqui nesta escrita inaugural na Revista Caju suspende as formalidades atribuídas a escritos deste caráter, e sugere pelas entrelinhas experiências narrativas e visuais, que compõem os movimentos e as imobilidades de nossas vidas em tempos pandêmicos, relacionando suas urgências às diversas dimensões e encaminhamentos do agora.
O amor mobiliza e é âncora particular das linhas em sequência, na tentativa de costurar e capturar entre as palavras os diários subjetivos, que permeiam os dias marcados pelos distanciamentos, virtualidades e outros modos de ser-estar no mundo. Refletir, portanto, nas minúcias, entre estratégias e manejos de existir no presente.

Não tão antes, o artista Marcos Chaves em seu trabalho #amaré nos propôs uma dupla fruição visual e reflexão crítica na relação do amor com a cidade, por entre espaços e afetos. Nas poéticas frases Amarécomplexo / Amarésimples para a exposição Travessias, realizada em 2011 no Galpão Bela Maré, localizado em Nova Holanda, Maré. Marcos sinaliza “contrapondo” sutilmente os conflitos político-sociais que demarcam o território, e não só.
Chaves desafiou, na avenida em trânsito, a cidade cartão-postal
A reverberação do trabalho, em desdobramento até os atuais dias, se dá nas forças das palavras enunciadas, alavancadas pela escolha de instalá-lo em uma passarela da Avenida Brasil, a maior avenida em extensão do país. O trabalho desafia em trânsito a cidade-postal e estabelece outras perspectivas de compreensão das dicotomias do amor e suas nuances na relação com as distintas propriedades espaciais urbanas. Ampliando leituras e significações que borram as fronteiras da Maré e se alastram ao Rio.
No coração da zona portuária, lugar de ida e chegada, e também espaço onde se é possível flanar, abriga um mural sensível e inquietador de Rita Wainer, composto pela ilustração de uma mulher de cabelos pretos ao vento, lábios vermelhos e de olhar transversal, acompanhada pela frase “saudade é amor, te sigo esperando”.

Instigante perceber na investigação poética da artista que o amor toca a dimensão da saudade, uma vez situado em um porto, há muitas margens para desventuras cotidianas, entre traços de melancolia e esperança de uma suposta volta. o amor está no entre. Interseção entre a figura, a cidade e o transeunte. Toda a saudade ali se dilui em amor com leveza, cores tímidas e maresia.
A imagem aqui convocada se trata do trabalho Post it, de Agrade Camiz. Um mural em plena avenida Rodrigues Alves, na zona portuária, nas imediações da rodoviária Novo Rio, lugar de “infinitas” passagens. A obra escancara a frase “o sonho do amor próprio”, organizando visualmente subjetividades e atravessamentos particulares da artista às arquiteturas daqueles galpões.

Este trabalho me salta os olhos, envolve-os como os olhos d’água de Conceição Evaristo. É perceptível aos passantes, instaura desejo e provocação. Traduz as ordinariedades cotidianas que conformam a busca do “amor próprio” e doa sentido às novas perspectivas do olhar, que generosamente nos conduz para relações outras conosco, com a cidade e com a vida.
Na cidade eu encontro AMOR.
Autor
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Curador, mestre em Artes pela Uerj e doutorando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC. É pesquisador no Museu de Arte do Rio, curador do programa de residências do Museu de Arte Moderna do Rio e ex-curador do Galpão Bela Maré, onde ainda atua como colaborador.
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Curador, mestre em Artes pela Uerj e doutorando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC. É pesquisador no Museu de Arte do Rio, curador do programa de residências do Museu de Arte Moderna do Rio e ex-curador do Galpão Bela Maré, onde ainda atua como colaborador.