Neste texto feito especialmente para a Caju, o dramaturgo Gustavo Pinheiro, autor de A tropa, mergulha no universo de Mauro Rasi. A obra de Rasi, morto há 13 anos, tem sido pouco montada hoje – e circularam boatos de que a família estaria criando empecilhos para as produções de textos do autor de Pérola e A cerimônia do adeus. A família nega, mas em 2014 Miguel Falabella e Claudia Raia foram condenados a pagar indenização por montar Uma batalha para dois num ringue para dois, pois os herdeiros alegaram falta de autorização. Ao reunir depoimentos importantes e emocionados e lembrar sua verve e seu lirismo, Pinheiro mostra porque precisamos tanto de Mauro Rasi e porque sua obra faz tanta falta em tempos tão cínicos.
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O ex-governador Anthony Garotinho foi apelidado de “Pinóquio Garotinho”. Vice de Garotinho, Benedita da Silva era “uma versão Monteiro Lobato do Barão de Munchausen”. Já Rosinha Garotinho “nunca ficou de pilequinho. Fica no máximo ‘alegre’ quando come bombom de cereja com licor”.
Grande frasista, mestre em misturar erudito e popular em um mesmo parágrafo, o escritor e dramaturgo Mauro Rasi morreu há 13 anos. Em seus artigos em O Globo, transitava com a mesma desenvoltura e deboche pelos mais diferentes assuntos – da Casa dos artistas à estreia de Senhor dos Anéis, do Big Brother a Oscar Wilde, de uma declaração apaixonada sobre Edifício Master, de Eduardo Coutinho, às novelas mexicanas, como Maria do Bairro. E, claro, a deliciosa implicância com os políticos – a então governadora Rosinha Garotinho chegou a abrir um processo contra o autor.
Para quem se habituou às suas tiradas mordazes e sarcásticas no jornal às segundas-feiras, ficam as perguntas: qual ária de ópera seria invocada para traduzir a saga de Dilma Rousseff? A que personagem da literatura seria comparado o juiz Sergio Moro? O que Rasi diria sobre o casal Eduardo Cunha e Claudia Cruz? O que ele acharia do topete de Donald Trump? Afinal, quem teria medo de Mauro Rasi hoje?
“Volta e meia me pergunto: o que o Maurão estaria fazendo? De quem estaria falando hoje?”, afirma a atriz Vera Holtz, que por cinco anos encarnou Pérola, um dos maiores sucessos do dramaturgo.
Reler suas crônicas é melancólico e cômico ao mesmo tempo. Melancólico porque parte da efervescência com que Mauro via o teatro, se foi. “Se o eixo do mal fica lá para as bandas da Coreia e do Iraque, o eixo do teatro definitivamente migrou para os teatros da Rua Conde de Bernadotte, no Leblon”, escreveu há 15 anos. Hoje, uma das salas do Teatro Leblon já fechou e as outras duas estão ameaçadas de virar igreja evangélica.
Mas suas crônicas permanecem cômicas porque muitos dos personagens a que Rasi se refere,ainda estão por aí. “O homem que nunca ri”, é como Rasi definiu
Francisco Dornelles, então candidato pelo PPB, em agosto de 2002, e hoje governador em exercício do Rio de Janeiro. “Dornelles garante que tem bons antecedentes. A gente, é claro, fica na dúvida”, completa Rasi. Melhor ir embora, Ademário.
Diante de tantos cancelamentos de patrocínios à cultura por conta do atual ajuste fiscal, o autor soa profético. Em abril de 2000, foi taxativo: “Nós da classe teatral correndo de pires na mão atrás de patrocínio e os patrocínios sobrando pra corrupção”. Pouco depois, em 2003, quando já havia propinas, mensalões e petrolões – sem a devida divulgação -, Rasi cravou: “as pessoas tentam se prevenir contra o HIV, contra o mosquito da dengue, mas contra conta na Suíça não há o que fazer. Estamos todos vulneráveis a isso. É como dor de barriga. Pode dar no meio darua, e aí, sujou”. Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência.
Sobre a derrocada de Eduardo Cunha e Claudia Cruz, Rasi talvez repetisse hoje uma frase proferida há 13 anos: “O povo gosta de ver grã-fino caindo do cavalo. É um modo de dizer: ele é igual a gente, come frango mas arrota peru”.
Família nega embargo; obra teve apenas 2 remontagens em 13 anos
Se com a morte do autor é impossível que as crônicas continuem a ser publicadas no jornal, as peças de Mauro Rasi poderiam, sim, estar nos palcos, sendo remontadas. Sucessos como A estrela do lar, Cerimônia do adeus e Pérola nunca mais chegaram ao público. A última peça escrita e dirigida por Rasi foi Alta sociedade, com Fernanda Montenegro e Italo Rossi, em 2001. De lá pra cá, apenas duas remontagens de Batalha de arroz num ringue para dois, texto de 1984, ainda da fase do teatro besteirol.
Boatos davam conta de que a família criaria empecilhos para remontagens de sua obra teatral. A irmã de Mauro, Dinéia Rasi, nega. “ Mauro era muito exigente. Recebo várias procuras pelos textos dele, mas muita coisa eu não aprovei porque tinha que ser nos padrões do Mauro. Tenho que levar em consideração o que ele gostaria. Mas a família tem todo interesse de que as peças sejam montadas. As novas gerações precisam conhecer o trabalho do Mauro”, afirma.
Segundo Dinéia, há a intenção de adaptar A cerimônia do adeus e Pérola para o cinema, mas ainda são só projetos. Ao final da conversa, Dinéia dá notícias sobre as famosas “tias do Mauro”.
– Uma faleceu há cinco meses, era a professora de piano do Mauro em Bauru, mas as outras estão todas vivas. Estão órfãs de sobrinho – arremata a irmã.
Não só as tias, mas também os palcos estão órfãos de Mauro.
Dinéia se despede com um “tchau, benhê”, com o inesquecível sotaque que Vera Holtz emprestou à Pérola no teatro.
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*A foto de destaque no topo deste post pertence ao arquivo da Rede Globo e não tem autoria identificada pela emissora.
Autor
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Jornalista e dramaturgo, autor da peça "A tropa", vencedora da 7a edição do prêmio "Brasil em cena", do Centro Cultural Banco do Brasil.
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