Eu fui, há alguns dias. Sou elisófilo, daqueles brabos, e não tinha me empolgado muito com o trailer que rodou por aí. Mas fui. Elis é Elis, né? E, primeiramente, viva o cinema brasileiro, e todos os loucos que o fazem. Resultado: saí da sala de projeção encantado com o trabalho de Andrea Horta, a exemplo de todos os amigos que resenharam o filme nas redes sociais ultimamente. Arrebatador é a palavra. A gente fica com vontade de entrar na tela, interromper a cena, abraçar Andrea e dizer: “Caraca, mulé, arrasou!” Que atriz, minha gente. Que dedicação, que entrega, que empatia.
Não tenho tevê em casa há anos, por isso desconhecia a criatura, atriz de novelas e séries da Globo da safra recente. Palmíssimas para ela.
A gente fica até meio vesgo – feito Elis – assistindo ao filme. É que Andrea está lá a maior parte do tempo, cumprindo seu papel com dignidade, passeando por cenários reais da vida de Elis (como o Beco das Garrafas, a casa na Niemeyer), modelando figurinos pesquisados com apuro, dublando a cantora de forma crível – mas eis que, de repente, por alguns segundos preciosos, numa risada, num gesto, num olhar torto, num tom de voz, ela simplesmente é Elis. Tipo recebendo santo no terreiro, saca? Coisa rara de se ver, e até incômoda às vezes.
Apesar da incorporação mágica de Andrea, a Elis do diretor Hugo Prata não é muito a minha Elis. Me refiro àquela que eu, que não a conheci pessoalmente, perco meu tempo imaginando (como faço com Cyro Monteiro, Clara Nunes, Noel Rosa e outros artistas que admiro e se foram antes que eu pudesse me jogar a seus pés). Denilson Monteiro, elisófilo amigo meu, tem uma definição ótima. Segundo ele, Elis não foi nada disso que dizem por aí. Ela era, na verdade, uma Scarlett O’Hara virada na Emília do Sítio do Picapau-Amarelo. Perfeito. Já a Elis do Hugo orbita, um tanto melancolicamente, em torno de homens – ou entendi o filme errado? Seu Romeu, Lennie Dale, Ronaldo Bôscoli, Nelson Motta, Marcos Lázaro, Jair Rodrigues, César Camargo Mariano e Henfil vão passando pelos frames de Elis em romaria. Sou caipira-pirapora, mas senti falta da roqueira Rita Lee, melhor amiga da cantora no meio artístico. Amizade iniciada quando Elis, levando o filho pequeno pela mão, visitou a colega no xilindró, presa por porte de drogas. Daí pra frente foram unha-e-carne, as duas. Menos Nelson Motta e mais Rita Lee, por favor.
Missão ingrata é compactar uma vida frenética como foi a de Elis em duas horas de filme. Simplificações têm que ser feitas, claro. Mas, Tom Jobim de fora? Dona Ercy – a mãe que Elis venerava – de fora? Elis stalkeando Nara Leão pela noite do Rio? Babando o ovo de Diana Ross? A vaia a Cabaré deixando sequelas tão profundas? Nelson Motta mostrando LP de Gal para Elis e assim redefinindo seu jeito de cantar – parecendo ser mais importante que César Camargo Mariano, cúmplice de Elis na criação daquele som único e simbiótico que a gente reconhece ao primeiro acorde?
Enfim, sejamos compreensivos, oh, nós, elisófilos. Esse é apenas um recorte, uma leitura, um viés. É a Elis do Hugo. Quem quiser, que conte outras.
Mas não deixe de assistir. Parabéns a todos os envolvidos.
(Com uma coisa não me conformo: a frase de abertura de Elis no filme. Repararam? Chegando ao Rio, ela entra com o pai num hotel e pergunta ao recepcionista: “O quarto tem banheiro?”.)
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A foto de destaque do post mostra Andrea Horta em cena como Elis é imagem de divulgação da cinebiografia da cantora.
Autor
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Ator, produtor, compositor e escritor. Ganhou o Prêmio Jabuti pela biografia "Wilson Baptista - O samba foi sua glória". Está em cartaz com o musical "A cuíca do Laurindo", de sua autoria. Escreveu os musicais "O samba carioca de Wilson Baptista" e "Amigo Cyro, muito te admiro", nos quais também atuou.
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Ator, produtor, compositor e escritor. Ganhou o Prêmio Jabuti pela biografia "Wilson Baptista - O samba foi sua glória". Está em cartaz com o musical "A cuíca do Laurindo", de sua autoria. Escreveu os musicais "O samba carioca de Wilson Baptista" e "Amigo Cyro, muito te admiro", nos quais também atuou.