Acredito que a escolha deste tema revela uma instância do presente enviesada e constituída pelos sentidos que me mobilizam nesse tempo – e acho que não estou só. O medo me interessa e sensibiliza na medida que gera deslocamentos, atenções e cuidados, e suas camadas trazem para o corpo hiato, suspensão, opacidades e dispersa ao mundo outras sensações e efeitos.
Desejo a partir desta escrita descortinar três projetos artísticos, que motivam essa reflexão e seus atravessamentos, costurando por sussurros as experiências nas mais variadas tramas estéticas, para onde o medo e suas contaminações apontam.
A artista Aline Besouro desde 2014 enuncia ao mundo o personagem “Sem Medo”, em múltiplas configurações, um movimento que espelha através da indumentária e do gesto de vestir, as incorporações da frase-obra. Eu muito inquieto, e ainda colhendo as impressões terríveis do tempo presente – reflito – que a poética se torna fugaz e necessária para o que vivemos e sentimos nestes dias. E me sinto convocado a dizer que a proposta recompõe sentidos vitais do existir, e contribui sugerindo leveza, ao mesmo tempo que impacta, caminhos para seguir os dias em devir, que perpassam por constantes retrocessos.

A partir desta captura indicial, demarcada pela lógica da subjetividade, e em diálogos contínuos com as erosões da existência e seus contatos, aprofundo a discussão do e sobre o medo, também na partilha e leitura do trabalho “Não ceder ao medo” de Elisa Castro, que organiza fundamentações de uma compreensão de medo outra, que acolhe e acompanha minha biografia – eu crescido em favela e estudante de escola pública acompanhado por todas as especificidades que esta realidade me constitui em diálogo com esse projeto de tamanha sensibilidade e entrega.

A artista, que também é professora, se propôs a escutar e colher histórias sobre medos de crianças e professores de uma escola localizada em uma das periferias de Niterói, ao longo do ano de 2017. Elisa elaborou dispositivos envolvendo toda a instituição e seu entorno, mobilizando espaço e públicos através de uma urna, interface pela qual coletou diversos relatos sobre medo. O trabalho estabelece então, lugares possíveis de narrativas sobre os temores cotidianos a partir da experiência no e dos espaços em uma perspectiva territorial.
Percorrendo estratégias estéticas para diluição do medo e suas faces, Regina Parra escreve e inverte, em neon, frases que anunciam opções de como portar-se diante das violências, dor da outra, dos percalços estruturais em diálogo simultânea com arquiteturas e espaços urbanos e seus contextos.

“Manter-se aterrorizada ou tornar-se terrível” é o exemplo de trabalho que me toca no lugar de enfrentamentos e embates do campo micro ao macro, com o qual aprendo muito sobre posturas diante do medo e das realidades do agora nos doando um tom de coragem. A frase gera complexidades e interações, que assim como sua escrita move inversões – e, não só óticas, mas amplia a percepção do que podemos chamar de genealogias da violência, que assim como nós sujeitos e sujeitas seguem em ininterruptas alterações.
A tentativa de concluir esta escrita esbarra no medo do não-dito, das coisas que escapam, e naquilo que a própria arte ainda não dá conta, mas assim como o curador Moacir dos Anjos detalha ao falar do último trabalho em análise: se não é suficiente, é já bastante. E assim, despeço-me pelas entrelinhas deste texto.
Autor
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Curador, mestre em Artes pela Uerj e doutorando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC. É pesquisador no Museu de Arte do Rio, curador do programa de residências do Museu de Arte Moderna do Rio e ex-curador do Galpão Bela Maré, onde ainda atua como colaborador.
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Curador, mestre em Artes pela Uerj e doutorando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC. É pesquisador no Museu de Arte do Rio, curador do programa de residências do Museu de Arte Moderna do Rio e ex-curador do Galpão Bela Maré, onde ainda atua como colaborador.