
Eu poderia dizer muitas coisas a respeito de Abraham Palatnik. Muitos afirmarão de forma precisa que o artista, que se despediu hoje aos 92 anos, depois de ser atingido pelo novo COVID-19, é um pioneiro da arte cinética em todo o planeta. Mas Palatnik foi muito mais do que isso: pilar da abstração brasileira, sua trajetória é a prova cabal de que nossa geometria não é tributária apenas da Europa, e tem seus fundamentos mais profundos em uma ancestralidade híbrida, que conjuga nações africanas e indígenas e, no caso específico do artista, está também diretamente ligada ao inconsciente.
Com Palatnik, as âncoras do construtivismo brasileiro são lançadas na chamada loucura – no inconsciente propriamente dito, mas também nas variantes do delírio – e não me parece acaso que Lygia Clark e Hélio Oiticica expandam essa relação a partir dos anos 1960. Explico brevemente (e espero desenvolver mais quando a emoção me permitir):
Nascido no Rio Grande do Norte e radicado no Rio ainda muito jovem, o artista foi aluno do casal Arpad Szènes e Maria Helena Vieira da Silva, exilado no Brasil durante a ascensão do nazismo na Europa. Pretendia ser um pintor figurativo, mas foi fazer um curso técnico em Israel, honrando a imersão de origem comum para os jovens de origem judaica.

“Vejo claramente que o convívio com aqueles ‘artistas do inconsciente’ foi fundamental para me mostrar o que *eu não deveria fazer*: uma pintura figurativa, quase tradicional, que eu vinha fazendo” .
Palatnik ficou dois anos parado, sem produzir nada. Nesse período, atuou como “motorista” de Emygdio, levando aquele que chamava carinhosamente de “meu colega” para passeios pela cidade: Nise, Mavignier e Dona Ivone Lara – enfermeira e assistente social da equipe do Engenho de Dentro – achavam que ver lugares marcantes do Rio poderia colaborar com o amadurecimento da pintura do “cliente” do Ateliê. Da janela do carro de Palatnik, Emygdio registrou na memória o Theatro Municipal, ruas e praças que depois apareceriam nas suas telas.

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O olho nas ruas e espaços culturais do Rio e de São Paulo, sempre clicando e filmando cenas e eventos com rara sensibilidade para as redes sociais da revista.
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