No romance Copo vazio, Natalia Timerman mergulha no vácuo de um relacionamento subitamente interrompido para falar do afeto nos tempos em que vivemos
Mirela, uma mulher solteira, quer encontrar o amor. A irmã sugere entrar em um aplicativo de relacionamento. Mesmo fazendo cara feia para a modalidade, ela tenta. Dá match com Pedro. Tudo vai bem até que. O enredo se assemelha a milhares de histórias da vida real, e é justamente a simultaneidade com a realidade que destaca o livro Copo vazio, da escritora paulistana Natalia Timerman. Já na segunda impressão – a primeira esgotou em menos de um mês –, o livro foca um relacionamento interrompido no momento do clímax. Sem explicação, sem nota de rodapé, sem um bilhete.
Até que ele some. Ou melhor, faz ghosting (aprendi o termo na discussão sobre o livro; acontece quando um dos parceiros desaparece, deixando o outro no vácuo, sem entender). O sumiço de Pedro faz Mirela conviver com um fantasma por meses, trazendo progressivamente à tona questionamentos sobre o próprio comportamento. Na medida em que os dias passam, ela revive os momentos com o amor furtivo e faz ilações de como seria se estivessem juntos até a vida voltar a seguir o rumo – mas deixando um esquecido ponto de interrogação no meio do caminho.
Para contar a história de Mirela, Timerman se vale do narrador em terceira pessoa, como se fosse um observador bem próximo da personagem. Ele não sabe muito sobre Pedro, mas tem acesso aos sentimentos e pensamentos de Mirela. Esse narrador também não conta a história de forma linear. A autora segue a linha da fragmentação da narrativa, uma técnica usada por alguns escritores contemporâneos. “Vivemos em um tempo tanto fragmentado”, diz ela. “Como contar uma história de amor hoje em dia? A questão do tempo tinha que entrar no livro”, reflete.
Timerman separa os capítulos curtos, na maioria em títulos “Depois”, “Antes”, “Hoje”, sendo o hoje quando a personagem está no processo de decantar o vazio do abandono. E o romance começa pelo “Depois”. Mirela está no corredor de sabão em pó de um supermercado, onde foi com a filha de 9 anos, e, ao olhar de relance para o lado, vê o homem familiar pegando o amaciante. Como em uma epifania dos contos de Clarice Lispector, a partir desse encontro, toda a história é rebobinada e contada para o leitor.
O tempo fragmentado não está apenas na ordem dos capítulos. Ele é representado também nos tempos verbais escolhidos pela autora. Ela não se intimida em usar o futuro em um capítulo e, no seguinte, trazer a voz para o presente, para depois evocar o passado. A mudança de tempo verbal movimenta a história, levando o leitor para lá e para cá. Talvez seja por isso, inclusive, que a leitura das 140 páginas de Copo vazio leva cerca de três horas. Mas não só. A narrativa tem diálogos ágeis, citações de letras de músicas, reprodução de mensagens por Whatsapp. As redes sociais também são colocadas em quadro, aproximando o leitor das cenas
O que Timerman colhe com o livro são interpretações. Há uma discussão para saber quem é o pai da filha de Mirela: Pedro ou o marido Rui. Algo que parece não ter uma conclusão (eu tenho minha suspeita). “A história de Mirela é recorrente e muito antiga. Eu vejo várias mulheres bem-sucedidas, seguras, feministas que se desfazem pelo término de um relacionamento ou algo que nem se configurou ainda”, diz Timerman, que é psiquiatra. “Parte do sofrimento é a vergonha de sofrer por amor”, completa. A autora se inspirou em muitos casos na clínica para criar a história a partir da percepção de que homens e mulheres não estão conseguindo lidar com os sentimentos. “O sumiço repentino é muito abrupto, tipo um vácuo. Precisa de uma explicação: será que perdeu o celular ou morreu? O meio termo, que é a verdade de não querer mais a relação, demora a ser admitido”, diz.
O título do livro seria outro, mas, ouvindo a música “Copo vazio”, de Chico Buarque, na voz de Gilberto Gil, Timerman bateu o martelo com o editor André Conti, da editora Todavia. “Esse vazio é nosso, o difícil é lidar com ele”, afirma. Timerman é uma mulher de nosso tempo. Mãe de dois meninos, além de praticar a psiquiatria, ela está no meio do doutorado em Teoria Literária, comparando a obra do norueguês Karl von Knausgard (seis livros) com a tetralogia da italiana Elena Ferrante.
Copo vazio é seu terceiro livro e foi concebido há quatro anos, como trabalho de fim do curso de Formadores de Escritores do Instituto Vera Cruz. Os outros dois são Desterro, uma obra de não-ficção sobre sua experiência no manicômio presidiário, e Rachaduras, que reúne contos sobre relacionamentos. Perguntada se vem livro por aí: “A pandemia atrasou o próximo livro que está guardado, no tempo dele”, diz.
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Jornalista e sócia da livraria Mandarina