A turma de jovens carnavalescos formada por grandes contadores de histórias – Leandro Vieira, Leonardo Bora & Gabriel Haddad , Jack Vasconcelos e Jorge Silveira- revalorizou o quesito enredo como matriz de seus desfiles e vem promovendo uma grande transformação estética e conceitual no carnaval carioca.
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Esta geração de narradores age como os mestres da tradição oral com origem nas muitas nações indígenas e identidades africanas que irrigam nossa cultura popular. Griôs. Primos-irmãos, em nosso território, da personagem Sherazade, de As mil e uma noites, eles apostam na narrativa bem construída como uma forma de sobrevivência e conquista de mais uma aurora, mais uma passagem da escola da qual assinam a direção artística.
Tem dado certo: o que muitos apontam como uma “volta da política” na Sapucaí talvez não passe de uma conexão profunda do interesse destes criadores pelo discurso. Isso porque toda arte, em qualquer tempo ou circunstância, sempre será política, mesmo quando insiste em parecer que não é.
Pensando então na história recente dos desfiles, mesmo quando as questões taxadas de políticas não apareceram fortemente nos enredos, caso das décadas passadas – que poderíamos chamar de “Ciclo Paulo Barros” – escolher não abordá-las, optando por enfatizar a visualidade e o espetáculo, era uma forma bastante clara de fazer política, de abafar a voz, a sonoridade e os corpos que compõem uma escola de samba em detrimento da estética. O que parece ocorrer agora é algo mais complexo que uma simples “volta da política”: é o momento em que os discursos estão, mais do que acima, no ventre da plástica.
Todos os quesitos do desfile são irrigados pelo enredo
Para estes carnavalescos, estar no mundo é deixar-se impressionar por ele e mergulhar nas histórias que ele pode contar. Nada mais natural, portanto, que as questões agudas de um momento de crise, como este que temos atravessado de 2014 para cá, acabem impregnando as escolhas temáticas, assim como o destaque para as formas de resistência e enfrentamento desses obstáculos (“A esperança brilha mais na escuridão”, diz o samba da Mangueira).
Fantasias e alegorias são irrigadas pelas características do discurso, que se cruzam com as assinaturas pessoais do artista-criador responsável por aquele barracão. Todos os outros fios que tecem a teia de acontecimentos de um desfile, com destaque especial para samba-enredo. Não me parece acaso, portanto, termos uma safra bastante expressiva de bons sambas-enredo nos últimos 10 anos, com uma sequência especialíssima em 2018 (Paraíso do Tuiuti, enredo de Jack Vasconcelos sobre trabalho e escravidão), 2019 (Mangueira, enredo de Leandro Vieira sobre as histórias à margem da História) e 2020 (novamente Mangueira/Vieira, enredo sobre Jesus, e o estupendo samba da Grande Rio para o enredo de Bora e Haddad sobre Joãosinho da Gomeia, seguidos por outros dois sambas que passaram muito bem na Avenida – o da Viradouro, campeã com Ferreira e Zanon, e da Mocidade, terceiro lugar com as propostas de Vasconcelos).
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“Tudo nasce no enredo, não temos o interesse de fazer carnaval sem ter o que contar”, me disse Leonardo Bora na visita que fiz ao barracão da Grande Rio na semana anterior ao carnaval. “A Mangueira tinha tanto o que falar que falou antes do carnaval, falou durante o carnaval e segue ainda falando depois do carnaval. Isso para mim é importante: ter o que falar e continuar falando”, declarou Leandro Vieira à repórter Fernanda Rouvenat, da Rede Globo, durante a passagem da Mangueira no Desfile das Campeãs deste ano.
Como uma escola de samba pode “continuar falando”?
De três formas principais: através de um samba-enredo de qualidade, que por isso continuará a ser cantado anos a fio depois das Cinzas; com um desfile capaz de gerar imagens que sobrevivam ao término da apresentação, e continuem circulando, comovendo, incomodando e gerando debate; por fim, mas não menos importante, uma escola segue “falando” se consegue apontar para uma espécie de conversa interna, que cita os fundamentos audiovisuais e discursivos do cortejo, muitas vezes transgredindo-os.
Com ênfases muito distintas, Jack Vasconcelos, Leandro Vieira e a dupla Haddad e Bora têm sido pródigos em promover os três tipos de reverberação. Algumas de suas criações “continuam falando”. Tento explicar como e por quê a seguir, traçando breves perfis de cada um destes núcleos criadores.
Jack Vasconcelos: de mãos dadas com o absurdo

Jack Vasconcelos, de 42 anos, estreou no então Grupo B em 2004, conquistando o 3o lugar com um desfile pela Império da Tijuca. O período mais marcante de sua trajetória foram os anos em que trabalhou para a Paraíso do Tuiuti, entre 2016 e 2019. Campeão da Série A no ano de estreia, ele amargou um 12o lugar do Especial no ano seguinte, por conta de acidentes (com várias vítimas, uma delas fatal) no desfile Carnavaleidoscópio Tropifágico. Naquele ano, outros problemas graves aconteceram em um carro da Unidos da Tijuca, e para proteger a Tijuca, a Liesa optou por preservar ambas as agremiações do rebaixamento. A concepção de Vasconcelos não teve nenhuma responsabilidade pela tragédia e, apesar de ter sido um um ano com resultado desastroso, olhar retrospectivamente para o desfile de 2017 é fundamental para entender a contribuição que este artista tem dado ao carnaval carioca.
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Bora, Haddad e o bordado da aparição

“É Pedra Preta”. Logo no primeiro verso, o samba da Grande Rio convocava o caboclo Pedra Preta, entidade do pai de santo Joãozinho da Gomeia, para abrir a passagem da escola de Caxias na Sapucaí, realizando aquele que se transformaria no melhor desfile de 2020. O carnaval criado por Leonardo Bora e Gabriel Haddad acabou vice-campeão pela loteria que permeia o regulamento da Liesa, mas a “aparição” de Pedra Preta, materializada logo na comissão de frente criada por Helio e Beth Bejani, é uma das sínteses possíveis da trajetória desta dupla de artistas que tem transformado o enredo em uma espécie de etnografia, sem abrir mão, no entanto, da noção de que o carnaval deve necessariamente ser uma sucessão de alumbramentos. Se na comissão de frente tínhamos Pedra Preta “aparecendo” nas águas e entre as iabás – com as saias se transformando em palhoças e reforçando que o corpo é a casa; a casa é o corpo – no abre-alas tínhamos um apanhado das enormes contribuições conceituais e estéticas que Bora e Haddad têm dado ao nosso carnaval.
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Leandro Vieira e a sobrevivência das imagens

Há sempre muito o que dizer sobre as contribuições de Leandro Vieira para o carnaval do Rio, mas, se o assunto é enredo – tanto os elementos para criá-lo quanto os elementos que ele cria – nada é mais importante do que pensar no legado que os desfiles assinados pelo artista têm deixado em termos de imagem. Desde a estreia de Vieira na Mangueira, em 2016, com um mergulho nas relações de Maria Bethânia com a religiosidade e a cultura ancestral do Recôncavo Baiano, cada passagem da verde-e-rosa no Sambódromo tem sido a reafirmação de que o carnaval não foi feito terminar na Quarta Feira de Cinzas, muito pelo contrário: maior manifestação artística e cultural deste país, a festa precisa reverberar depois de seu fim, com as imagens e os outros conteúdos poéticos gerados por uma escola de samba vivendo um processo de ressurreição contínuo a cada vez que são revistos.
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Jorge Silveira e a importância do escárnio
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O olho nas ruas e espaços culturais do Rio e de São Paulo, sempre clicando e filmando cenas e eventos com rara sensibilidade para as redes sociais da revista.
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