Em 2014, o artista plástico Eduardo Coimbra @educoimbra convidou a editora da Caju, a curadora e crítica Daniela Name @daniname, para colaborar na organização e edição de textos que acompanhariam os estádios ficcionais, escultóricos, que havia criado para a exposição Futebol no campo ampliado, que ficou em cartaz no Paço Imperial durante a Copa do Mundo. Participaram o escritor Luis Fernando Verissimo, o pesquisador Sergio Cabral, os historiadores Luiz Antônio Simas e Hilário Franco Júnior, o artista Paulo Bruscky, o poeta e crítico de arte Adolfo Montejo Navas, o cartunista Cassio Loredano e… Aldir Blanc.
Daniela escreveu para Aldir para fazer o convite cheia de mesuras. Já conhecia o ídolo como amigo dos amigos, mas muito superficialmente, e foi avisada de que ele talvez demorasse, pois era recluso etc e tal. Mas ele foi a jato, réplica no ato. E menos de um mês depois, enviou nova mensagem:
“O texto está pronto (…) ‘marinando’ algumas horas como gosto de fazer antes de mandar. Preferi pirar legal. Espero que todos gostem. Foi o mais belo projeto do qual participei nos últimos anos (…) Abração e muito, muito obrigado pelo convite. Aldir”
Sim, Aldir “pirou legal”, como fez inúmeras vezes como letrista: juntou o escritor Jorge Luis Borges, o jogador Adriano Imperador, o locutor Galvão Bueno e o astrônomo real Martin Rees, com a frase “Estamos imersos no insólito subconjunto onde se desenvolve a consciência”. “Pirar legal” – sair dos conformes – foi seu sobrenome do meio, e muito de sua genialidade no trato da língua portuguesa vem daí, de ter passado uma vida enxergando o que é mais cotidiano, trivial, eventualmente quase invisível, pelo filtro do “pirar legal”. Tratou a palavra como um Mané que gira para o lado e para o outro, endiabrado, só pelo prazer do desconcerto.
Leiam o Aldir, escutem o Aldir. O lar possível e eterno para nossos gigantes é a memória que cultivamos deles.
(Foto do cabeçalho de Léo Martins para o jornal O Globo, última entrevista de Aldir para o jornal, assinada por Leonardo Lichote e João Máximo).+++
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Estádio Aldir Blanc
Bem, amigos! Aqui é o Aldir Blanc substituindo o Galvão, que foi comprar gasolina para o Cacá. Quero abraçar de público o Edu Coimbra. Suas maquetes, agora convertidas em estádios, são a melhor coisa que surgiu na Copa da FIFA. O Brasil é só o bode expiatório pra levar a culpa do que der errado. O primeiro prélio foi cancelado. Servia para atrair a intelectualidade apresentando o embate Razão Prática x Razão Pura, com Kant de técnico dos dois lados, mas ele não veio, ficou tocando caxirola com o amigo João Gilberto em sua cidade natal. Procurado por nossa reportagem, disse o filósofo: “Nunca saí dessa merda de Könisberg mesmo. Toca aí, João”. O segundo embate também não acontecerá. Seria um jogão entre os Estruturalóides da USP x Neomarxistas, mas no jogo-treino um (in)significante cravou um sintagma no gogó do arqueiro adversário. A querela nacional, muito aguardada, Antropofágicos FC x CR Macunaímicos não rolará porque um membro do alto clero antropofágico não conseguiu subornar o preguiçoso centro-avante dos Macunaímicos, que se encontra bebendo com Adriano, o Imperador, num universo-bebê colado ao nosso.
‘Nossos comerciais, que eu também quero dar o fora’
O astrônomo real, sir Martin Rees, declarou que “Estamos imersos no insólito subconjunto onde se desenvolve a consciência”. Seja lá o que isso queira dizer, fala a favor de universos paralelos, já que não há consciência no Planalto, nem na FIFA. Nota-se no estádio intensa vibração dos vascaínos. Com gramados alternativos e duas bolas, talvez sejam menos roubados! Epa, invadiram os campos! Parece um hobbit descalço com pernas cabeludas. Não, não. É René Simões. Está sendo retirado pela Unidade de Pacificação, com o auxílio de granadas, morteiros e bazucas. E finalmente apitam os árbitros e rolam as bolas para o clássico latino-americano Cronópios de Cortázar x Tigres no Espelho de Borges. Os Cronópios atacam pela diagonal, mas os Tigres fugiram para labirintos! Atenção! Um zepelim está sobre o estádio com um enorme letreiro “Viva a empreiteira Od…”, hiii, o zepelim pegou fogo e o gigantesco letreiro desabou na Tribuna de Honra. O público foge por um buraco de minhoca de Hawking! Uma letra B, monstruosa, que ironia, acaba de atingir Joseph Blatter em plena testa. Ele está sendo socorrido por Marin, o que é morte certa!
Socorro! Nossos comerciais, que eu também quero dar o fora…
Autor
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Compositor de música brasileira, um dos maiores poetas da língua portuguesa em todos os tempos. Morreu aos 73 anos em 4 de maio de 2020, data em que a Caju publicou este texto inédito.
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