Faça de mim uma gata que sempre questiona é o nome que apresenta a videoperformance da artista Patfudyda. Assalto este título na perspectiva de elencar os potenciais de trabalhos contemporâneos no que concerne os questionamentos na arte e suas estruturas. Nas urgências que compõem as narrativas e os corpos, suas produções estéticas e dissidências.
O trabalho propõe, a partir de visualidades inquietantes, dilatação do pensamento e do gesto. As cenas capturam e projetam imagens que interrogam o tempo e suas violências, articulando sutilmente estratégias de quebra e sobreposições de movimentos.
Faça de mim uma gata que sempre questiona integrou a exposição Masculinidades em Diálogo no Galpão Bela Maré, desdobramento do processo formativo da Escola Livre de Artes – ELÃ, reunindo composições poéticas de 12 artistas – todes estendem debates para as compreensões ampliadas das masculinidades, a partir de abordagens que lidam com as desigualdades de gênero, raça e territorialidades.

Estas práticas apontam para disputas, não só nas relações com os conceitos e costuras poéticas, mas na afirmação de outras narrativas possíveis, que partem generosamente a partir de políticas da arte, que sugerem novas epistemologias, repertórios visuais e a radicalização dos conceitos.
Decolonizar o conhecimento nos processos e modalidades da arte é contestar suas estruturas, sentido de valor e legitimação nas noções estéticas que, baseadas em formatos hegemônicos eurocentrados, que ainda estruturam os caminhos e fluxos no presente. Temos, como desafio, a reparação dessas vertentes, na elaboração de urgentes estratégias e mecanismos que interditem e interpelem tais construções -, e consigo vislumbrar que um dos caminhos está nas práticas artísticas que se colocam em tensão.
Em colaboração com Davi Pontes, Wallace Ferreira, conhecida também por Patfudyda, estreou recentemente o inédito média metragem Delirar o racial, que pensa as espacialidades nulas de ficções e descoladas do tempo e do espaço. Os gestos apostam em coreografias que percebem e desobedecem a linearidade.

Contam os artistas que o filme remonta “uma série de ações que lidam com a incerteza, a desordem e o provisório para pensarmos uma ética fora do tempo para vidas negras. A dupla caminha próximo ao pensamento da artista e filósofa Denise Ferreira da Silva na materialização de um experimento artístico que propõe imaginar a diferença sem separação.

Para dialogar com a dupla e retroalimentar o dissenso no campo artístico, recorro a performance Disputa do Brasil, ativada pelas Irmãs Brasil na exposição UóHol, individual de Rafael Bqueer no Museu de Arte do Rio. Corpos desviantes, gesto em choque e discórdia, e a tessitura da réplica de uma bandeira do Brasil sendo totalmente desestruturada entre os dentes, devorada pelas irmãs, fardadas e vestidas de biquínis com tecidos em animal prints. A performance apresenta “O devir Brasil do mundo e o devir mundo do Brasil”, definem as artistas, que cruzam seus corpos alegóricos com questionamentos e rupturas diante de múltiplos olhares, e na interação com a instituição.
Questionar é um compromisso fundamental desse tempo; é contrapor e tecer leituras avessas aos cânones. É o mal estar, a cólica insistente contemporânea.
Autor
-
Curador, mestre em Artes pela Uerj e doutorando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC. É pesquisador no Museu de Arte do Rio, curador do programa de residências do Museu de Arte Moderna do Rio e ex-curador do Galpão Bela Maré, onde ainda atua como colaborador.
Relacionado
Curador, mestre em Artes pela Uerj e doutorando em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC. É pesquisador no Museu de Arte do Rio, curador do programa de residências do Museu de Arte Moderna do Rio e ex-curador do Galpão Bela Maré, onde ainda atua como colaborador.